Estranhos encontros em Amsterdam, a cidade das bicicletas.
O prazer de viver na Europa é, para mim, mais que a organização e força econômica. É principalmente a história que o continente carrega desde os primórdios da civilização. Em cada cidade e viela, são séculos de acontecimentos de inquestionável valor para todos nós. Berlim, Roma, Paris, Madrid, Londres, Varsóvia, Budapeste e tantas outras de uma infindável lista.
Amsterdam certamente também entra na lista. Mesmo sendo uma cidade mais nova que outras capitais (data do Século XII), ela é repleta de história e de uma miscigenação que impressiona qualquer um que por ela passa. De um pequeno porto para uma das cidades mais globalizadas do planeta, a capital da Holanda é, sem dúvida, um deleite para qualquer um.
Claro que todos conhecem ou reconhecem Amsterdam. Suas bicicletas, sua vista grossa com drogas leves (basicamente maconha e haxixe) e sua liberdade de gêneros são marcas registradas. Também por seus canais e por Anne Frank e Van Gogh que aqui viveram. Mas Amsterdam é muito mais que isso. Cada beco, cada rua, cada passagem, cada prédio torto tem uma história imensa para contar àqueles que observam e sentem a cidade como ela é por trás de toda esta fama. E aqui vai mais uma.
O mito
Quem acompanha o blog sabe que tenho um gosto eclético para música mas sou verdadeiro apreciador de jazz. Aquele melancólico, triste, doído, para escutar num fundo de bar embriagando-se de whisky barato e vendo a vida descer pelos goles. Dos expoentes deste segmento, dois que são, para mim, os melhores: Stan Getz e Chet Baker.
Getz, que ajudou a popularizar a bossa nova com “The Girl of Ipanema”, foi um dos mais importantes saxofonistas e nome do jazz mundial. Sua carreira passa pelas big bands (época que não gosto) até este jazz que chamo de melancolia. O outro… ah, o outro; Chet Baker. Se existe forma de mostrar como uma vida escura, louca e cheia de altos e baixos pode ser, a música de Chet é certamente a melhor forma.
Não o conhece? Ouça um pouco de sua obra:
Mas que tem a ver isso com Amsterdam? Pois é. Eis que dias atrás baixei o filme Born to Be Blue, uma história meio ficção, meio verdade que retrata parte da vida do músico. Seus romances e a perda de sua embocadura numa briga são retratados de forma soberba. Não é melhor que Let’s Get Lost (outro filme sobre ele), mas vale assistir.
A morte do mito em Amsterdam
Como sempre faço, fui reavivar a memória lendo a história de Chet na Wikipédia. Lá descubro que o dito morreu num hoteleco a 100 metros de minha casa. Salto da cadeira, pego o celular e vou ver “ao vivo” o lugar. Na lateral do prédio, a prova do crime (que não foi um crime na acepção da palavra, mas um crime perder tal talento).
Consta que Chet morreu devido a queda do segundo andar do hotel. Dentro de seu quarto (nº 201 hoje nomeado como “The Chet Baker room”) e também em seu sangue, foi encontrada cocaína e heroína, substâncias que era viciado há muito tempo. Um verdadeiro desperdício de vida e talento que não esperava encontrar rastros tão perto de minha casa. De alguma forma, é um “prazer” estar morando ao lado deste lugar. Decerto será uma grata lembrança que carregarei para o futuro e, quem sabe dia destes não me hospedo no mesmo quarto (você pode pedir na recepção) para escutar seu fantasma melancolicamente tocando um trompete na noite de Amsterdam.
O hotel chama-se Prins Hendrik, que fica em frente da estação Amsterdam Centraal e na entrada do Red Light district. Você pode encontrá-lo aqui. Se vier, avise. Estou sempre no café da esquina.
PS: Escrevo Amsterdam e não Amsterdã por simplesmente achar mais bonita a versão inglesa. Nada mais que isso.